Documento final do Fórum de Melhores Práticas sobre Conteúdo Local - IGF 2020
O Secretariado do IGF acaba de publicar o documento final de resultados do Fórum de Melhores Práticas sobre Conteúdo Local (BPF Local Content). O fórum foi co-facilitado por Giacomo Mazzone, da EBU, e Carlos A. Afonso, do Nupef, com apoio editorial de Sorina Teleanu (consultora do Secretariado). O documento completo está em anexo em PDF. Abaixo está o Resumo Executivo em português, também anexado em PDF.
A sessão do IGF 2020 sobre o BPF está reproduzida no Youtube:
https://www.youtube.com/watch?v=-9ccQ6bQpok
Informações sobre o BPF estão disponíveis aqui:
https://www.intgovforum.org/multilingual/content/bpf-on-local-content
Resumo Executivo
1. Introdução
Um Fórum de Melhores Práticas (FMP/BPF) sobre Conteúdo Local foi estabelecido pela primeira vez na estrutura do Fórum de Governança da Internet (IGF) em 2014, com foco em como criar um ambiente propício para o desenvolvimento de conteúdo local online. O BPF foi então convocado novamente em 2017 e nos últimos três anos analisou várias questões relacionadas ao desenvolvimento e promoção de conteúdo localmente relevante no espaço digital.
Em 2020, o BPF examinou questões relacionadas à proteção, preservação e promoção das línguas locais e indígenas e do patrimônio cultural na era digital. Também explorou questões de sustentabilidade e financiamento relacionadas à produção de várias formas de conteúdo local.
Em seu trabalho, o BPF realizou uma pesquisa pública, reuniões online com as partes interessadas, coletou contribuições de organizações relevantes e realizou pesquisas para identificar outras boas práticas relevantes sobre as questões exploradas.
2. Proteção, preservação e promoção das línguas locais e indígenas
O BPF forneceu visões gerais de várias iniciativas e políticas dedicadas a proteger, preservar e promover as línguas locais e indígenas no espaço digital.
Em nível internacional, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) realizou um trabalho significativo de apoio ao multilinguismo e às línguas locais e indígenas. Por exemplo, a Recomendação de 2003 sobre a Promoção e Uso do Multilinguismo e Acesso Universal ao Ciberespaço propõe uma série de medidas destinadas a contribuir para promover o acesso universal a recursos e serviços digitais e facilitar a preservação da diversidade cultural e linguística.
Em 2019, a UNESCO atuou como a principal agência da ONU para a implementação do Ano Internacional das Línguas Indígenas (IYIL), que aumentou a percepção global sobre a importância das línguas indígenas para o desenvolvimento sustentável. O Documento de Resultado Estratégico do IYIL 2019 destaca a necessidade de garantir a oferta de tecnologias digitais, conteúdo e serviços para usuários de línguas indígenas.
Considerando o desaparecimento gradual das línguas indígenas e a situação vulnerável dos povos indígenas no mundo, a Assembleia Geral da ONU declarou uma Década Internacional das Línguas Indígenas entre 2022 e 2032. Em fevereiro de 2020, um evento de alto nível realizado no México levou à elaboração da Declaração de Los Pinos, delineando recomendações para a elaboração de um Plano de Ação Global para a Década Internacional, incluindo na área de capacitação digital, tecnologia da linguagem e mídia indígena.
O BPF também analisou outras iniciativas específicas que apoiam a presença digital de línguas locais e indígenas. Rising Voices está trabalhando na América Latina com redes de ativistas digitais que usam tecnologia, mídia digital e Internet para promover e revitalizar seus idiomas nativos por meio da produção de conteúdo digital. Os projetos da Wikimedia também são uma ferramenta útil para a preservação e promoção das línguas e da cultura locais. Outras iniciativas incluem o aplicativo de aprendizado de idiomas Drops (que inclui idiomas como maori, samoano e havaiano); a Iniciativa de Digitalização de Idiomas, dedicada a fornecer vários recursos às comunidades indígenas para ajudar a melhorar seu acesso à informação; e o Projeto de Tecnologia de Línguas Indígenas Canadenses, que desenvolve tecnologias baseadas na fala e no texto para auxiliar na estabilização e revitalização das línguas indígenas.
As estações de rádio e TV locais são caminhos valiosos para promover e preservar as línguas locais, ao mesmo tempo que apoiam a produção de conteúdo local (incluindo produção cultural). Vários países têm canais de rádio e TV - agora migrando para a Web - que preservam e dão nova vida às línguas locais. Os exemplos incluem S4C em galês no País de Gales, Māori Television na Nova Zelândia, TV4 baseada na Argélia e o canal Tamazight no Marrocos.
A pandemia Covid-19 destacou mais uma vez o importante papel da Internet em nossas sociedades. Com a implementação das medidas de isolamento, a Internet tornou-se central para o acesso a informações sobre a propagação da doença, mas também para a educação e o trabalho. Nesse contexto, torna-se cada vez mais importante garantir que as pessoas tenham acesso a informações relevantes em seus idiomas. A UNESCO, a Wikimedia e a Associação Hutukara Yanomami no Brasil estão entre as várias organizações que lançam iniciativas para facilitar o acesso a informações precisas, claras e confiáveis em línguas indígenas.
3. Proteção, preservação e promoção do patrimônio cultural
A segunda grande área de foco do BPF foi a proteção, preservação e promoção do patrimônio cultural. Para começar, o BPF explorou o papel das bibliotecas e outras instituições culturais e de patrimônio na preservação do patrimônio cultural e na sua oferta por meio de ferramentas digitais. Um exemplo é a Cerdotola, uma biblioteca digital que protege o patrimônio cultural e a memória de países da África. As Bibliotecas Digitais da Alemanha e do Catar também oferecem acesso online irrestrito a valiosos objetos do patrimônio cultural.
Muitas bibliotecas e instituições estão se digitalizando para abrir os dados do patrimônio cultural que seus acervos contêm (por exemplo, acervo digital da Biblioteca Brasiliana Guita e Jose Mindlin). Esses esforços respeitam os direitos de propriedade intelectual e, em grande parte, permitem o acesso a materiais de domínio público (ou, de outra forma, obtêm a permissão dos detentores dos direitos). Mas as estruturas de propriedade intelectual aplicáveis podem representar desafios (por exemplo, especialmente para projetos de digitalização que abrangem várias jurisdições) e, às vezes, requerem mais recursos.
A proteção da propriedade intelectual no contexto do conhecimento tradicional (TK) e das expressões culturais tradicionais (TCE) foi outra questão analisada pelo BPF. No nível internacional, o Comitê Intergovernamental sobre Propriedade Intelectual e Recursos Genéticos, Conhecimento Tradicional e Folclore sob a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO/OMPI) empreende negociações para finalizar um acordo sobre instrumentos jurídicos internacionais para a proteção de TK, TCEs e recursos genéticos. Tal instrumento definiria o que se entende por TK e TCEs, quem seriam os detentores dos direitos, como as reivindicações concorrentes das comunidades seriam resolvidas e quais direitos e exceções deveriam ser aplicados.
Paralelamente, a WIPO está fornecendo várias ferramentas para ajudar as comunidades indígenas e locais no gerenciamento da propriedade intelectual. Os exemplos incluem o Programa de Treinamento em Documentação Cultural e Gerenciamento de Propriedade Intelectual da WIPO, o Programa de Empreendedorismo Comunitário Indígena e Local e o consórcio WIPO para Criadores.
Por muito tempo a prática tem sido que pesquisadores que coletam representações da vida nativa e indígena, da língua e dos materiais culturais tornam-se titulares de direitos de propriedade intelectual para tais coleções. Mas essas práticas muitas vezes não levam em consideração os direitos das próprias comunidades nativas e indígenas sobre sua própria herança cultural. O BPF identificou algumas iniciativas dedicadas a enfrentar esses desafios. A Local Contexts desenvolveu um conjunto de rótulos TK para capacitar as comunidades nativas, primeiras nações, aborígenes e indígenas a definir as rotas de circulação e obrigações de acesso para materiais de herança cultural digital. A Indigitization, sediada na Colúmbia Britânica, desenvolveu um kit de ferramentas de recursos para apoiar e orientar projetos de digitalização em comunidades indígenas.
Também merecem destaque as iniciativas que promovem o compartilhamento ético e o acesso aberto ao patrimônio cultural. Algumas das licenças e ferramentas de domínio público desenvolvidas pela Creative Commons podem ser usadas para compartilhar e preservar o patrimônio cultural online. A iniciativa Open GLAM promove o patrimônio cultural digital, com foco em obras que já não possuem direitos autorais e estão sendo digitalizadas por instituições de patrimônio cultural.
A digitalização do patrimônio cultural imaterial (ICH) merece mais atenção. O ICH está sujeito a várias ameaças que colocam em risco a sua existência e disponibilidade para as gerações futuras. Isso vai desde a degradação ambiental e a globalização cultural até questões demográficas e pressão econômica. Iniciativas de digitalização podem ajudar a preservar, proteger e promover o ICH.
4. Proteção, preservação e promoção de outras formas de conteúdo local na era digital
Comunidades locais e criadores locais precisam ser capacitados para usar tecnologias digitais para desenvolver, promover e proteger conteúdo, produtos e serviços criativos. Essas comunidades podem se beneficiar com o acesso a ferramentas online abertas e fáceis de usar, que lhes permitem melhorar seu trabalho e publicá-lo online. Exemplos de iniciativas que enfocam tais questões incluem StoryWeaver -- uma plataforma da web baseada na Índia dedicada a todos os interessados em ler e criar livros infantis multilíngues --, e Bloom -- uma plataforma da web que permite a criação e tradução de livros em vários idiomas (especialmente línguas minoritárias).
Também é importante fornecer treinamento e financiamento para que artistas locais se expressem livremente. Iniciativa da Hivos, o programa Resource of Open Minds (R.O.O.M.) dedica-se a apoiar artistas, produtores de cultura e mídia e centros criativos para se expressarem livremente, inclusive por meio de ferramentas digitais.
5. Produção de conteúdo local: questões de sustentabilidade e financiamento
Existem muitas comunidades em todo o mundo que se especializaram na produção de objetos artesanais locais. Essas comunidades contam com suas habilidades em artesanato, como desenho têxtil, artesanato, produção de vidro e artigos de couro para ganhar a vida e garantir sua sustentabilidade. Outras comunidades locais estão tradicionalmente envolvidas na produção de produtos orgânicos e contam com essas produções como sua principal fonte de renda. As tecnologias digitais podem ajudar essas comunidades a se tornarem mais sustentáveis.
Na Índia, a Digital Empowerment Foundation implementou o Programa de Desenvolvimento de Cluster Digital para apoiar o desenvolvimento de coletivos locais que aproveitam as tecnologias digitais para melhorar e ampliar as atividades de artesanato local como uma forma de criar opções de subsistência sustentáveis e apoiar o crescimento inclusivo no local nível.
O Alibaba Group, com sede na China, em colaboração com o governo, lançou o Rural Taobao, uma iniciativa estratégica dedicada à construção de infraestruturas de comércio eletrônico que permitem às comunidades rurais venderem facilmente seus artesanatos e produtos manufaturados. O objetivo geral por trás da iniciativa é impulsionar o crescimento econômico inclusivo na China rural por meio do comércio eletrônico.
Os jornais locais têm um papel importante a desempenhar na preservação e promoção dos idiomas locais, mas muitas vezes lutam com os desafios da sustentabilidade, especialmente em face da digitalização. Um exemplo de sucesso é o La Voz de Galicia, que nos últimos anos tem trabalhado intensamente na transição de um jornal que prioriza o papel para um jornal digital.
6. Recomendações
As iniciativas e exemplos de melhores práticas que o BPF coletou serviram como uma boa fonte para uma série de recomendações sobre o que ainda precisa ser feito para proteger, preservar e promover as línguas locais e indígenas e o patrimônio cultural, e apoiar a sustentabilidade da produção de conteúdo. Abaixo está um extrato do conjunto geral de recomendações que pode ser encontrado na seção respectiva do relatório.
Proteção, preservação e promoção das línguas locais e indígenas
❖ Políticas sustentáveis são necessárias para garantir um acesso online universal, livre e aberto ao conhecimento e à informação multilíngue. As tecnologias digitais podem ser aproveitadas para esse objetivo.
❖ Recursos precisam ser alocados para iniciativas de desenvolvimento de capacidade para promover habilidades digitais entre as comunidades locais e indígenas, de modo que tenham autonomia para usar as tecnologias digitais de forma significativa ao acessar e desenvolver conteúdo.
❖ O apoio à diversidade cultural deve ser estendido em todo o mundo como uma prática comum, para enfrentar e combater o risco de homogeneização global.
❖ As partes interessadas devem encorajar a criação de redes de ativistas digitais e defensores que podem promover as línguas indígenas. Modelos mais sustentáveis são necessários para ativistas digitais que apoiam comunidades no uso da Internet e da mídia digital para promover e revitalizar as línguas indígenas.
❖ A mídia local e indígena deve ser apoiada (por meios técnicos, organizacionais e financeiros) nos esforços para produzir e disseminar conteúdo original.
Proteção, preservação e promoção do patrimônio cultural
❖ Os governos precisam desenvolver políticas facilitadoras e alocar fundos para apoiar iniciativas focadas na digitalização do patrimônio cultural, tangível e intangível.
❖ As estruturas de direitos de propriedade intelectual precisam ser esclarecidas e, quando necessário, aprimoradas para apoiar a digitalização do patrimônio cultural. As estruturas internacionais sobre exceções e limitações aos direitos de propriedade intelectual podem ajudar a enfrentar os desafios da digitalização de material de patrimônios culturais.
❖ As comunidades indígenas devem ter autonomia para administrar a propriedade intelectual associada ao seu patrimônio cultural da maneira que melhor responda às suas necessidades e interesses. As ferramentas digitais podem ser aproveitadas nesse sentido.
❖ Os governos e o setor privado devem apoiar as comunidades locais em seus esforços para digitalizar seu patrimônio cultural intangível, por meio de fundos, desenvolvimento de capacidades etc.
Produção de conteúdo local: questões de sustentabilidade e financiamento
❖ Governos, organizações internacionais, atores do setor privado e outras partes interessadas devem apoiar ativamente (com fundos, recursos técnicos, iniciativas de desenvolvimento de capacidade) criadores locais, como artesãos, para fazer uso da tecnologia digital para melhorar suas condições e trazer mais sustentabilidade às comunidades locais.
❖ É necessário conceber modelos mais sustentáveis de remuneração do trabalho criativo como forma de fomentar o desenvolvimento de conteúdo local.
❖ Iniciativas de financiamento precisam ser postas em prática para apoiar pequenas editoras - como jornais locais, mídia comunitária e serviços para minorias - em seus esforços para garantir a sustentabilidade