poliTICs 30 está online
Esta é a 30ª edição da poliTICs, resultado do trabalho de quase 12 anos, por vezes teimoso, da equipe do Nupef sob condições em geral adversas de recursos, desde julho de 2008. Duas novidades: a poliTICs está agora na categoria A1 no Qualis/CAPES. Celebrando este reconhecimento, a partir desta edição todos os artigos também serão publicados na versão online em inglês, em anexos a cada artigo em português.
Esta edição apresenta cinco artigos abordando temas desafiadores da governança da Internet em suas várias instâncias. Três artigos tratam da participação multissetorial na governança da Internet. Nos textos essa característica da participação aparece com diferentes expressões como "partes interessadas", "grupos de interesse", ou ainda "pluralismo" ou simplesmente "setores".
Caracterizar o equilíbrio da participação entre os vários grupos de interesse traz desafios, particularmente quanto aos objetivos e alcance da participação. Nos processos pluralistas, um primeiro desafio é a definição estrutural desses grupos. Desde que começou a preocupar-se com o alcance da participação (especialmente no início da década de 90 e sobretudo a partir da Eco '92), a ONU tem trabalhado com quatro partes interessadas: governo, sociedade civil, comunidade técnica e setor empresarial. Esses são os grupos de referência, por exemplo, para a escolha, por parte da Secretaria Geral, dos mais de 50 membros do Grupo Assessor Multissetorial (MAG) encarregado de organizar o Fórum de Governança da Internet (IGF) a cada ano.
Um segundo desafio é a representatividade, que envolve o processo de escolha dos membros. Para ser efetivamente pluralista, mesmo dentro da "camisa-de-força" dos quatro setores (ou três, já que em alguns casos considera-se a academia ou comunidade técnica como parte da sociedade civil), há uma grande diversidade a ser considerada: gênero, etnia, equilíbrio regional etc. Abrem-se assim outras dimensões a serem consideradas para alcançar o equilíbrio participativo. Este desafio também considera o alcance e qualidade da representação de cada grupo ou setor. A resposta à pergunta "estou bem representado?", por parte dos afetados pelo processo decisório decorrente desses processos, nem sempre é satisfatória. O texto de Francesca Musiani enfatiza esse descompasso entre a estrutura burocrática e a representação efetiva.
O terceiro desafio é o equilíbrio entre grupos de interesse. Fadi Chehadé, que assumiu a presidência executiva da Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (ICANN) em 2012, tentou esse equilíbrio defendendo o conceito de "participação multi-igualitária". Teria que introduzir na ICANN modificações estruturais e de procedimento de tal ordem, que abandonou a ideia em poucos meses. De fato, na ICANN os governos têm papel consultivo apenas (e até recentemente a exceção era o governo dos EUA, que contratava formalmente a ICANN para exercer a tarefa de gerir nomes de domínio, protocolos e endereços IP); já o grupo empresarial (constituido por registradores e distribuidores de nomes, bem como o lobby da propriedade intelectual, entre outros) domina o processo decisório em tudo que afete a gestão dos nomes de domínio genéricos de topo (conhecidos pela sigla gTLD, como .net, .com, .org etc), que é a atividade principal da entidade. É na verdade um péssimo exemplo de multissetorialismo e quase o oposto do sonho de Fadi de implantar um processo "multi-igualitário".
Neste campo, do ponto de vista político, há ainda muito que fazer para consolidar um arcabouço de análise que precise mais claramente esses processos. Uma metodologia que pudesse medir e/ou qualificar do que poderia ser chamado de "participabilidade" em processos multissetoriais em seus vários aspectos e modelos ainda está por ser construida. Um elemento crucial dessa metodologia seria a qualificação desses processos quanto à incidência na tomada de decisões. Outro elemento seria precisar as abordagens para a busca de consenso -- uma forma de medir a eficácia de processos pluralistas.
Essas questões são amplamente tratadas nos textos sobre a governança da Internet, de Belli et al, Aguerre e Musiani. No primeiro, são descritos processos nacionais de governança participativa e é apresentado ao final um modelo procurando sintetizar o melhor desses processos. Aguerre vai além do eixo multissetorial, destacando a pluralidade temática e as diferentes instâncias ou níveis de gestão como elementos que completariam um processo pluralista de governança.
Em outra vertente, Rafael Evangelista analisa o impacto das plataformas interativas (Facebook, Twitter e outras) nos processos democráticos, sob a influência de “novos canais de informação, governados por algoritmos e por plataformas do capitalismo de vigilância”. Brocas, Lanfranco e Stoll analisam os desafios de personalidade com o envolvimento cada vez mais profundo das pessoas como "cidadãos digitais", analisando a fusão do real com a "persona digital" e fazendo uma analogia aterradora com os ciborgues de "Jornada nas Estrelas". O artigo apresenta um fascinante roteiro de como "escapar da mentalidade passiva de Borg e estabelecer um relacionamento saudável entre as tecnologias e nós mesmos", descrevendo 13 maneiras de resistir aos Borg. Resistir é preciso!