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Um “SUS” da conectividade significativa?

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Por Carlos A. Afonso

Tenho sido às vezes visto nos debates sobre redes comunitárias e outras iniciativas de alavancagem do desenvolvimento sustentável local como um ponto fora da curva. Por quê? Como alguém do Nupef, cuja equipe tem uma história de envolvimento ativo contribuindo para universalizar acesso, desde a ”época de ouro” dos telecentros há mais de 20 anos, levanta questões sobre o que fazem várias entidades, inclusive o Nupef, com tanta dedicação?

Tento explicar minhas inquietudes com o SUS, o Sistema Único de Saúde do Brasil. O SUS?? Imaginem que uma entidade dedicada à inclusão digital, social e cultural, como o Nupef, obtenha os recursos e tenha a capacidade técnica de projetar e instalar redes. Em contato com lideranças comunitárias, definem-se um ou mais locais e é instalada uma rede local utilizando wi-fi. Consegue-se um enlace com a Internet via satélite -- ou com muita sorte um provedor próximo que possa fornecer o trânsito via rádio.

Pronto, contribuímos para resolver paliativamente, e às vezes temporariamente, um problema local de acesso. Mas resta ainda a precariedade ou inexistência dos equipamentos nos domicílios, para a participação adequada de uma família na Internet (e prefiro falar em participação em vez de uso). Resta a sustentabilidade da iniciativa, além da precariedade da própria conexão de trânsito.

Então não fazemos? Claro que fazemos. É preciso fazer o que for possível para conectar as comunidades para de algum modo cobrir necessidade essencial, como demonstrou a pandemia, e como vêm cada vez mais demonstrando os próprios governos locais, migrando seus serviços para o atendimento online. Mas como encaminhar algo melhor, algo estrutural, algo estratégico, que permita saltar dessa fase quase experimental das redes comunitárias que ajudamos a viabilizar para uma estratégia coordenada de presença e inclusão do que hoje vem
sendo chamado de conectividade significativa?

E aqui entra o paradigma do SUS. Drauzio Varella é um dos que dão uma aula magistral sobre como funciona esse sistema -- tenho aliás orgulho de ter participado das discussões para criar o SUS na década de 90, uma das vantagens da IA, não de inteligência artificial, mas de idade avançada.

O SUS é uma proposta de trabalho harmônico entre todos os governos do país, com formas de participação da comunidade na sua condução. Tem uma estratégia de funcionamento e desenvolvimento comum, que otimiza recursos e tem tido sucesso apesar dos altos e baixos das políticas de governos. Tem imensas dificuldades, especialmente quando governos predadores de recursos ou agentes oportunistas com alguma incidência no sistema impactam seriamente no seu funcionamento -- mas com tudo isso tornou-se indispensável e fundamental.

Tal como a estratégia do SUS que mantém e desenvolve infraestrutura comum de atendimento na ponta com uma combinação de recursos e expertises, podemos pensar no que podemos provisoriamente chamar de rede de atendimento à conectividade significativa, harmonizando tecnologias, garantindo sustentabilidade e definindo formas de contribuição em todos os níveis. O SUS da conectividade teria massa crítica, por exemplo, para subsidiar fortemente a obtenção de equipamento básico nos domicílios, para assegurar uma experiência efetiva de
participação na era da Internet multimeios.

O SUS atende uma necessidade essencial -- saúde pública -- e sua proposta é respeitada mundialmente. Se aceitarmos, como eu aceito, que o acesso pleno à Internet é uma necessidade hoje essencial, temos que batalhar por uma forma do que eu chamaria de SUS da inclusão plena à rede. O desafio é grande demais para que o resolvamos com iniciativas pontuais, que servem como referência e modelo no âmbito local, como um pronto-socorro; de atendimento a uma necessidade, mas que não resolvem estruturalmente o desafio estratégico do acesso ou conectividade significativa.

Um adendo importante: há em vários países iniciativas comunitárias de rede de maior alcance que servem de exemplos de melhores práticas para construirmos uma iniciativa estratégica de inclusão de âmbito nacional. Exemplos na Inglaterra, na Argentina, em vários países da África, mesmo no Brasil, cada um com uma abordagem específica.

Mesmo que não seja possível falar com o novo governo sobre um SUS da inclusão digital, vale lembrar da necessidade de um projeto  estratégico para universalizar a conectividade significativa, participativo, multissetorial, que venha a garantir conectividade permanente, a custo razoável e com banda suficiente para uma participação de cada domicílio na Internet multimeios de hoje e do futuro.

Pode ser que eu esteja divagando, mas de algo estou seguro: não vamos resolver estruturalmente a conectividade significativa sem um projeto estratégico que envolva para isso a sociedade e os governos em todos os níveis.

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