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Relato sobre o Grupo de Trabalho de Cooperação Aprimorada da ONU

Por Carlos A. Afonso, diretor-executivo do Nupef e membro do UNWGEC

10 de novembro de 2013

Faço aqui, mais que um relatório, uma análise crítica e propositiva como participante do Grupo de Trabalho sobre Cooperação Aprimorada (WGEC) da ONU, referente à reunião do grupo que acaba de ocorrer em Genebra de 6 a 8 de novembro.

Inicialmente, destaco a questão do Fórum de Governança da Internet (IGF) - cuja última edição foi realizada em outubro último em Denpasar, Bali, Indonésia (em breve enviarei relato similar sobre este evento).

Na discussão sobre cooperação aprimorada entre nações para o avanço da sociedade da informação e do conhecimento, este fórum é sempre levado em conta, tanto para destacar sua importância (relativa) como para sugerir caminhos de avanço para a governança internacional da Internet.

Vários governos também insistem na Agenda de Túnis (2005, em anexo em espanhol, PDF) como uma espécie de compromisso entre governos que não deveria ser mudado -- alguns chegam a encarar a Agenda como a "bíblia" a seguir, mesmo que não tenha sido seguida pelos próprios governos que assim a qualificam, e mesmo que a rápida dinâmica de desenvolvimento da Internet requeira periódicas revisões.

Da Agenda de Túnis, é importante destacar o mandato do IGF, descrito no parágrafo 72 e que reproduzo abaixo:

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Solicitar ao Secretário- Geral das Nações Unidas, em um processo aberto e inclusivo, a convocação para o segundo trimestre de 2006 de uma reunião do novo fórum para o diálogo político das várias partes interessadas (Internet Governance Forum - IGF), com mandato para:

a) Discutir questões de políticas públicas relacionadas com os elementos -chave da governança da Internet, a fim de promover a sustentabilidade, robustez, segurança, estabilidade e desenvolvimento da Internet;

b) Facilitar o discurso entre os órgãos que lidam com a ordem pública internacional e Internet cruz relacionado e discutir questões que não foram incluídos no mandato das agências existentes;

c) Estabelecer interfaces com as organizações intergovernamentais e outras instituições em matéria de sua competência;

d) Facilitar o intercâmbio de informações e melhores práticas, e neste sentido fazer pleno uso da experiência das comunidades acadêmica, científica e técnica;

e) Aconselhar todos os interessados na proposição de meios e caminhos para que a Internet esteja mais rapidamente disponível para um maior número de pessoas em países em desenvolvimento;

f) Fortalecer e melhorar a participação dos interessados ​​nos mecanismos de governança da Internet atual e/ou futura, particularmente aqueles de países em desenvolvimento;

g) Identificar as questões emergentes, expô-las aos órgãos competentes e ao público em geral e, se necessário, fazer recomendações;

h) Contribuir para o reforço das capacidades para a governança da Internet nos países em desenvolvimento, aproveitando integralmente o conhecimento e experiência locais;

i) Promover e avaliar continuamente a realização dos princípios da CMSI nos processos de governança da Internet;

j) Debater, entre outros, os temas relacionados aos recursos críticos da Internet;

k) Ajudar a encontrar soluções para os problemas causados ​​pelo uso e abuso da Internet, que são de particular interesse para o usuário comum;

l) publicar suas atas.
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Considerando esse extenso mandato, vemos que o IGF está longe de cumpri-lo. Em primeiro lugar, estes itens mostram que o IGF deveria ser um fórum orientado a processos, não simplesmente uma sequência de eventos.

Em segundo lugar, há claras referências a recomendações que deveriam ser geradas pelo IGF -- por exemplo, os itens [e], [g], [h], e [i] --, que têm sido ignorados pela ONU (em parte sob pressão da comunidade de negócios, alguns governos e a chamada "comunidade técnica").

O fato é que o IGF não está levando adiante componentes significativos de seu mandato, e mesmo os governos que defendem a "intocabilidade" da Agenda de Túnis não têm dado importância a essa falha. Para completar, o seu comitê de logística (que dedica-se apenas a organizar cada evento anual) -- o MAG (Multistakeholder Advisory Committee) -- é constituido com base na representação setorial mas não na necessária expertise para levar adiante esse desafio.

É preciso portanto repensar o IGF se ela for considerada como (ou vir a tornar-se) uma instância central da cooperação aprimorada. De outro modo ele deveria cessar em função de uma proposta de outros caminhos para fazer avançar esse processo.

Quanto ao WGEC, cujo objetivo é apresentar recomendações sobre cooperação aprimorada à Comissão de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento da ONU (UNCSTD) ainda no primeiro semestre de 2014, que serão levadas à Assembléia Geral da ONU em setembro do mesmo ano, o início dos trabalhos tem revelado algumas fragilidades preocupantes.

O resultado central da primeira reunião do WGEC, em junho de 2013, foi a produção de um questionário, que foi respondido por todos os setores. Houve 69 respostas, assim distribuidas: 29 de governos, 23 das entidades civis, 11 da comunidade técnica-acadêmica, e oito do setor empresarial. Mais da metade das respostas veio de países em desenvolvimento. Foi produzida uma consolidação dos resultados com várias falhas (entre as quais confundir as respostas do grupo Best Bits com as da APC e omitir vários questionários respondidos), mas assim mesmo a consolidação deu uma ideia razoável das várias visões do grupo de trabalho em relação aos temas da cooperação aprimorada e da governança da Internet. [O resumo está em anexo em PDF]

O resumo e os procedimentos na segunda reunião (6-8 de novembro) revelam o risco de estarmos refazendo o caminho já trilhado para a construção da Agenda de Túnis, bem como do Grupo de Trabalho Sobre Governança da Internet (WGIG, que reuniu-se de novembro de 2004 a junho de 2005), do qual participei. Efetivamente, um tempo relativamente grande foi consumido agora na elaboração de uma lista de mais de 300 temas possivelmente relacionados à governança da Internet e à cooperação aprimorada. As dificuldades do grupo em lidar com tal número de temas para tentar agrupá-los em questões chaves foi tal que acabamos constituindo um grupo específico (o "grupo de correspondência") para tentar definir uma lista de temas centrais para neles centrarmos o trabalho de elaboração do relatório à CSTD. A percepção de "déjà-vu" para quem participou do WGIG é inevitável.

Um dos problemas de um grupo de trabalho como esse é que os participantes são definidos em função de suas representações setoriais e não necessariamente em função de suas expertises sobre os temas (algo similar ao que ocorre com o MAG). Isso cria uma dificuldade adicional tanto para a consolidação dos temas como para a elaboração de um relato qualificado.

Ante a premência de tempo e as incertezas geradas por esse processo, alguns setores já apresentaram propostas concretas, que passo a relatar.

Um grupo de entidades civis apresenta um interessante rascunho de recomendações a serem avaliadas e possivelmente adotadas no relatório final do WGEC (acrescentei a numeração para facilitar referências futuras). Tenho ressalvas quanto à efetividade do papel do IGF até agora, mas no geral concordo com a abordagem e considero uma contribuição orientadora para o futuro relatório do WGEC. As recomendações são que o WGEC:

1- Reconhece que a Agenda de Tunis , se for para continuar como um
ponto de referência para todos os interessados, deve ser considerada como um documento vivo que precisa ser atualizado para refletir os papéis e
responsabilidades de todos os participantes;

2- Incentiva o repensar dos papéis das partes interessadas que estavam
definidas pelos governos de forma unilateral na Agenda de Tunis, observando que esses papéis foram originalmente definidos pelos governos em dezembro de 2003 (Declaração de Princípios de Genebra);

3- Afirma que a Internet pertence a todos: todos podem usá-la e todos podem melhorá-la; isto também se aplica a sua governança;

4- Reconhece que a cooperação aprimorada está bem encaminhado de acordo com o pretendido nos parágrafos 67 a 75 da Agenda de Túnis;

5- Conclui que novos acordos multilaterais não são necessários para
a cooperação aprimorada;

6- Reconhece que novos mecanismos surgem organicamente conforme o necessário e não há necessidade de impor novos mecanismos de cima para baixo;

7- Reconhece os esforços de vários mecanismos existentes para propor políticas públicas e entender a governança da Internet, tendo em conta sua natureza pluriparticipativa;

8- Felicita o IGF pelo seu trabalho de promoção da cooperação aprimorada conforme a Agenda de Túnis;

9- Incentiva o IGF a cobrir todas as questões de governança da Internet que
são motivo de preocupação para as partes interessadas, bem como constituir grupos de discussão continuada como parte do IGF, com o objetivo de fazer recomendações sobre essas questões às comunidades participantes;

10- Incentiva o IGF a seguir as recomendações do Grupo de Trabalho da CSTD sobre Melhorias do IGF, incluindo o seu mandato para dar conselhos às organizações funcionais e administrativas da governança da Internet;

11- Incentiva aqueles que fazem as políticas públicas a participar mais plenamente do IGF e trazer para este suas questões relacionadas à Internet conforme seus mandatos;

12- Incentiva todos os governos a comprometerem-se com o IGF , e a usar o processo do IGF como uma oportunidade não apenas para envolverem-se com todos os outros interessados, mas como uma oportunidade de trabalhar uns com os outros em pé de igualdade;

13- Convida todas as entidades de administração e de governança da Internet a participar do IGF;

14- Reforça a abordagem multisetorial e encoraja todas as partes interessadas a engajarem-se mais e a trabalhar com as organizações existentes, explorando formas em que o engajamento dos vários setores interessados possa ser melhorado.

Em resumo, o caminho é focar, focar, focar em um pequeno mas essencial conjunto de temas e tentar construir propostas para a cooperação entre nações (mais do que entre governos) em torno desses temas. De outro modo, o WGEC vai acabar reproduzindo as generalidades de boa parte da Agenda de Túnis e não teremos avançado quase nada.

Do lado dos governos, uma colaboração concreta para buscar esse foco veio dos governos do Brasil, México, Reino Unido e Suécia, que propõe:

- Os membros [da ONU] devem explorar formas de fortalecer a participação de todos os interessados ​​de países em desenvolvimento nos fóruns globais existentes de governança da Internet, incluindo viabilizar mecanismos de financiamento e métodos de trabalho alternativos, tais como a participação remota.

- Os membros devem aumentar os esforços para capacitar os interessados ​​a participar através da capacitação, incluindo, mas não limitado a, programas de treinamento, conscientização e compartilhamento de melhores práticas.

- Os membros devem trabalhar com os países em desenvolvimento para criar um quadro nacional justo e coerente que estimule a concorrência e crie o acesso a preços acessíveis para todos os interessados.

- O papel dos governos deve incluir, mas não se limitando a, capacitar os usuários de internet, assegurar um quadro jurídico justo e coerente que é responsável, transparente e equitativo, bem como proteger os direitos humanos online, para promover uma robusta infraestrutura global de Internet apoiar processos e parcerias pluralistas.

Neste ponto, creio que a junção adequada das duas propostas pode ajudar muito a agilizar o processo decisório para o relatório final do WGEC.

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